ATPC - Aula de Trabalho Pedagógico Coletivo
Tema Central:
Gestão da sala de aula é desafio real para o professor
Caros professores, neste encontro realizaremos uma "mesa de debates" elencando as fragilidades e potencialidades no cotidiano em sala de aula. Nossos referencias serão os encontros realizados com os alunos no "Conselho de alunos" e as três dimensões da gestão de sala de aula, na visão de Celso Vasconcellos.
Bom trabalho a todos,
Prof. Coordenador Martins Ramos.
Sugestões de leitura:
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Gestão da sala de aula: desafio real e possível
O pedagogo, filósofo e pesquisador Celso Vasconcellos aponta
quais os caminhos para melhor gerir a sala de aula.
A gestão da sala de aula é um desafio para o professor. O
pedagogo, filósofo e pesquisador Celso Vasconcellos, também doutor em educação
pela USP, não só defende a ideia como aponta aspectos fundamentais para que os
docentes sejam bem sucedidos durante o processo. “É importante considerar o
relacionamento interpessoal, a organização da coletividade e o trabalho com o
conhecimento”. Para Vasconcellos, hoje a sala de aula ainda está longe de um
modelo humanizado, afirmativa feita com base nos índices de evasão, nos casos
de bullying e na própria desmotivação por parte de alguns educadores. Ainda
assim, o profissional acredita que é possível obter mudanças principalmente se
os professores adotarem uma postura mais reflexiva e autônoma. Confira
entrevista do educador ao NET Educação.
NET EDUCAÇÃO - A gestão escolar é comumente associada a
cargos de diretoria nas instituições escolares. O professor também é um gestor?
Celso Vasconcellos - Sim, porque entendemos gestão como a
capacidade de fazer acontecer em uma determinada direção, e o trabalho do
professor tem também este caráter pragmático. A questão é que não basta uma
gestão tecnicista, mecânica, que faça do professor um cumpridor de tarefas.
Além da questão operacional, é importante a intencionalidade. Para isso, o
educador precisa de uma conduta reflexiva e autônoma. É importante que os
educadores se questionem nos três vetores básicos de sua atividade: “o que eu
quero?”, “onde estou?”, “e o que fazer para diminuir essa distância?”
NET EDUCAÇÃO - Como avalia a gestão escolar e a gestão em
sala de aula? São condutas complementares ou totalmente diferentes?
Celso Vasconcellos - De uma maneira geral, ainda há um
distanciamento entre as gestões, movido pela falta de diálogo. A questão da
coletividade é muito importante nas escolas, até porque, pensando na gestão do
professor, ela vai até certo ponto; depois, já depende de decisões que envolvem
a direção, colegas, funcionários. Acredito nas reuniões pedagógicas semanais
(ex.: Horário de Trabalho Pedagógico Coletivo-HTPC; Jornada Especial Integral de Formação-JEIF)
com a participação da direção, coordenação e professores como uma excelente
ferramenta para promover uma gestão compartilhada, com base em um projeto
político pedagógico definido coletivamente. Trata-se de um trabalho sistemático
que pode ajudar no desenvolvimento de boas ações dentro das escolas.
NET EDUCAÇÃO – No vídeo da série Gestor Escolar, é citada a
importância de o professor desenvolver a autonomia. Em que sentido? E como isso
deve ser feito?
Celso Vasconcellos - Embora existam os fatores externos, como
os limites das condições de trabalho, a eventual falta de apoio dos pais, as
normas da instituição, as diretrizes da própria direção, o professor sempre
possui uma Zona de Autonomia Relativa (ZAR) para realizar o que pretende
na escola (e na sociedade). Por essa
razão, julgo importante o resgate da autonomia por parte dos docentes. Trata-se
do resgate de sua potência e, consequentemente, de sua alegria (como nos ensina
Espinosa, na Ética).
A meu ver, a autonomia implica autoria. Geralmente os
professores não são autores daquilo que aplicam, são reprodutores de quarto
nível, como afirma o educador Pedro Demo; ou seja, os professores estão reproduzindo
uma coisa que alguém reproduziu, de alguém que reproduziu de alguém que de fato
produziu. Em relação ao conceito de Zona de Desenvolvimento Proximal, do
psicólogo bielorrusso Lev Vygotsky, por exemplo, ser autor é quando a
assimilação do assunto atingiu tal ponto que é possível recontá-lo com suas
próprias palavras, aplicá-lo em diferentes situações, porque passa a fazer
parte da visão de mundo do sujeito, uma chave de interpretação e intervenção.
Quando um aluno pergunta se pode responder a uma questão com “suas próprias
palavras”, precisamos estar atentos à denúncia aí presente: quer dizer que ele
aprendeu a ser um reprodutor de quinto nível, diante da necessidade de falar a
partir do que quer o professor ou do que está no livro didático.
De fato, temos aqui um problema histórico. Já no curso de
Pedagogia o professor está acostumado a reproduzir conceitos, em função do
ciclo vicioso. Com isso, é pouco provável que esse docente estimule seus alunos
enquanto autores, pois ele mesmo não teria capacidade de avaliação de tal
produção. Aí eu pergunto: é possível um meio cidadão formar um cidadão inteiro?
Aproximando a discussão da questão da autoria: é possível alguém que não
construiu autonomamente seu conceito atuar como mediador na apropriação deste conceito?
É preciso lembrar que enquanto o professor instrucionista está preocupado em
cumprir um programa de conteúdos, o mediador está acompanhando, cuidando do
processo de aprendizagem, porque seu foco está na relação que o aluno
estabelece com o objeto de conhecimento e com a realidade.
NET EDUCAÇÃO – Você cita ser importante a presença de três
eixos em sala de aula: Relacionamento Interpessoal; Organização da
Coletividade; e Trabalho com o Conhecimento. Como esses eixos se fazem
presentes na atuação do professor? Há uma ordem de importância?
Celso Vasconcellos - Não há uma ordem de importância, pois
estamos falando de dimensões de um trabalho. De um modo geral, o Trabalho com o
Conhecimento é o mais óbvio, um dos pilares mais clássicos da tarefa escolar,
pensando no papel social da escola de democratizar o acesso ao conhecimento. Só
que para que o trabalho de construção de conhecimento seja efetivo é preciso
dispor de organização, um clima de trabalho favorável, e aqui falamos da
organização da sala de aula e da construção da coletividade, da disciplina.
Quanto ao Relacionamento Interpessoal, o professor precisa ter a capacidade de
se aproximar dos alunos para uma mediação mais fina quando preciso. Por
exemplo, casos em que se observa alguma dificuldade em relação à aprendizagem
(ou à disciplina). Deixar de trabalhar esta dificuldade é um péssimo negócio,
não só para o aluno em questão, mas para o próprio professor e para o coletivo
da sala de aula, pois se o aluno não está entendendo, não vai se interessar
pela aula, causando problemas de disciplina, influenciando outros alunos que
também irão se dispersar, etc. A articulação dessas três frentes possibilita a
gestão da sala de aula.
NET EDUCAÇÃO – No caso de identificar defasagem em relação à
aprendizagem, como o professor pode contribuir com esse cenário?
Celso Vasconcellos - Antes de tudo é preciso que o professor
compreenda o processo de aprendizagem. Tenho realizado algumas pesquisas e
observado que, se aplicarmos os mesmos critérios de avaliação direcionados aos
alunos para os docentes (exigir 50% de acerto), grande parte deles não seria
aprovada. Das seis exigências subjetivas essenciais para que se dê a
aprendizagem do sujeito, em média só 20% dos professores apontam três ou
mais...Quando entendemos a construção do conhecimento, fica mais fácil pensar
em inovação, que nem sempre precisa estar atrelada a uma conotação tecnológica.
Se a tecnologia estiver presente, é bem vinda. Mas hoje, face ao desmonte
histórico da escola, possibilitar que o aluno assimile o conhecimento e o
promova a partir de suas palavras já é uma inovação. O professor precisa
valorizar experiências que sustentem esse cenário em sala de aula, por exemplo,
momentos de reflexão, trabalhos em grupo. Faz parte do trabalho de gestão
administrar a tensão entre a manutenção da escola tal como hoje se configura, e
a busca de novos horizontes e direções que apontem a escola que queremos para o
futuro.
NET EDUCAÇÃO – Há estratégias possíveis para melhor gerir uma
sala de aula?
Celso Vasconcellos - Partindo do mais elementar, acredito em
três pontos principais: a amizade, os grupos de estudo e a observação dos
alunos. O professor precisa se aliar aos demais, ter a convicção de que não
está sozinho no trabalho de educar, e promover constantemente a troca de
experiências, a atualização de práticas, o aprofundamento teórico. Em relação
aos alunos, acreditar que essa observação diária é muito válida e
enriquecedora. O aluno sempre sinaliza o que dá certo e o que não dá em sala de
aula. Outro ponto importante é o professor valorizar o processo de construção
de conhecimento e colocar em prática pequenas intervenções que tragam mudanças
na aprendizagem. Para inovar, por exemplo, sugiro que o professor avalie o
programa de conteúdo referente a um bimestre/trimestre e escolha por onde vai
começar a modificar a maneira de abordá-lo. Assim é possível transformar o
experimental em ‘know- how’ em um futuro próximo, desencadeando um processo de
melhoria paulatina da prática pedagógica. A ideia de processo é fundamental: se
o professor entender que inovar significa mudar tudo o que vem fazendo, fica
desarvorado e acaba resistindo à inovação.
NET EDUCAÇÃO - Como avalia a atual gestão das salas de aula?
Celso Vasconcellos - Estamos muitos distantes de uma sala de
aula humana. Claro que não podemos generalizar, pois há projetos e ações
bacanas sendo desenvolvidos. Mas quando olhamos para as baixas taxas de
aprendizagem e altos índices de evasão, para os casos de bullying, para a
desmotivação por parte de alguns docentes, vemos que há graves equívocos quanto
à gestão praticada. E aqui é preciso deixar claro que isso não é uma
responsabilidade exclusiva do professor. Porém existe uma parte que nos cabe, e
aí a importância de nos situarmos, enquanto educadores, na Zona de Autonomia
Relativa. Imagine só: se cada um fizer a sua parte (na perspectiva de um
projeto emancipador), estamos promovendo a mudança, a criação de uma zona
coletiva de transformação.
Retomando aqueles vetores iniciais da atividade docente a que
me referi, tenho insistido com os professores quanto à necessidade de não
abrirmos mão de um sonho radical (radical é o que vai à raiz) de sociedade e de
escola, simultaneamente, não abrirmos mão de uma leitura crítica radical da
realidade e, insistimos, simultaneamente, não abrirmos mão do compromisso
radical com o passo que podemos dar neste momento na nova direção,
valorizando-o face à dura realidade, mas não nos conformando com ele, face o
horizonte do sonho de mudança. Aqui, parece-me, há um princípio
teórico-metodológico de como fazer a gestão da vida, da profissão e da sala de
aula!
Acessado em 24 de maio/2017 http://neteducacao.com.br/noticias/home/gestao-em-sala-de-aula-desafio-real-e-possivel